Jñāna é a forma popular da palavra jñānam, que é mais comumente definida como “conhecimento” ou “entendimento”. Especificamente, jñāna significa “aquilo pelo qual conhecemos”.
É um instrumento, como nossos cinco sentidos mais conhecidos, um instrumento que nos permite compreender e entender. Porque é um sentido, é “material”, e porque é um sentido sutil, é um estado mental, uma citta-vṛtti.
Cada sentido tem um objeto o qual percebe. A visão percebe a luz. A audição percebe o som. Jñāna percebe Jñeya. Jñāna é o viṣayī, o possuidor da percepção. Jñeya, o objeto do conhecimento, é o viṣaya, o objeto que é percebido. Além destes dois elementos distintos há um terceiro elemento, o conhecedor, Jñātā. O conhecedor é um ser consciente. Enquanto o conhecimento (jñāna) e o objeto do conhecimento (jñeya) são materiais.
A palavra jñāna é frequentemente usada como um termo abrangente, e inclui o co-funcionamento de todos os três elementos citados acima.
Como qualquer palavra, “jñāna” tem diferentes implicações quando usada em diferentes contextos.
Na frase “jñāna-yoga” (o caminho de jñāna) implica o esforço para eliminar a diferença entre sujeito (jñātā) e objeto (jñeya) e perceber apenas a própria consciência (jñāna) como o Brahman que tudo permeia e sem atributos. Esse significado de jñāna é extremamente específico ao contexto, e, se não entendermos isso claramente, podemos ficar muito confusos ou enganados sobre o significado de jñāna.
Outra palavra relacionada é “jñānī”, que significa “pessoa de conhecimento”, ou “erudito”, mas a palavra jñānī não indica necessariamente um seguidor de jñāna-yoga. Um seguidor de jñāna-yoga é chamado de jñāna-yogī, e este termo pode ou não se aplicar a alguém que é um jñānī (erudito).
Quando usada em relação a Bhakti, a palavra jñāna significa conhecimento e a intuição intelectual que pertecem ao nome, forma, qualidades, associados, morada e passatempos divinos de Bhagavān. Tal conhecimento não é diferente de Bhakti e, portanto, não é material. O processo de aquisição deste conhecimento é semelhante ao processo de aquisição de conhecimento secular, mas não exatamente os mesmos. Especificamente, o que é único no processo de Bhakti é que o conhecimento de Bhakti é revelado na proporção da sinceridade e pureza de Bhakta.
Muitas vezes, Bhakti-yogīs erroneamente consideram o estudo aprofundado da metafísica de bhakti como equivalente ao cultivo de jñāna dentro do sistema de jñāna-yoga. E por isso, evitam até mesmo o conhecimento relacionado à devoção, pensando que bhakti deve estar livre de qualquer mancha de jñāna. Em apoio à sua visão, eles se referem a versos como a definição de uttama-bhakti dada por Śrī Rūpa Gosvāmī.
Esta definição diz que uttama-bhakti não é coberto por jñāna, karma e coisas semelhantes — jñāna-karmādyanāvṛtam (BRS 1.11). Eles também se referem à declaração de Brahmā na qual ele diz que os devotos não se esforçam para alcançar jñāna, mas vivem sua vida ouvindo sobre Kṛṣṇa da boca de grandes devotos – jñāne prayāsamudpāsya namanta eva jīvanti sanmukharitāṁ bhavadīya-vārtām. (SB 10.14.3) Esta atitude é ainda mais apoiada pelo fato de que bhakti não depende de jñāna, um importante ensinamento do Śrīmad Bhāgavata Purāṇa elucidado por ācāryas como Rūpa e Jīva Gosvāmīs.
Assim, alguns devotos consideram o estudo do śāstra como idêntico ao cultivo de jñāna, que eles consideram como sendo jñāna-yoga, e, portanto, consideram este estudo desnecessário e até prejudicial para Bhakti. Dizem que este estudo torna a pessoa orgulhosa, o que certamente é um grande obstáculo no caminho de Bhakti. Assim, eles pensam que não estudar o śāstra manterá a pessoa em um comportamento humilde.
Esta perspectiva é muito prevalente, mas é um equívoco muito sério e grande que representa um grande obstáculo ao progresso no caminho de Bhakti.
Como afirmado acima, o equívoco está enraizado em igualar o termo jñāna com sua conotação no termo jñāna-yoga, e, posteriormente, usar versos destinados a condenar jñāna-yoga como se fossem destinados a condenar jñāna.
Não ter Jñāna em Bhakti é extremamente prejudicial. Sem primeiro apreender Bhagavān e Bhakti em sua profundidade ontológica, conforme elaborado pelos Gosvāmīs, a prática de Uttamā-Bhakti tende a se reduzir à pura emotividade ou religiosidade convencional.
As declarações descrevendo Bhakti como não sendo dependente de Jñāna significam que não há necessidade de um Bhakta praticar Jñāna-yoga. Elas não significam que não há necessidade de estudar śāstra. De fato, é do próprio śāstra que essas verdades fundamentais são aprendidas. O primeiro passo de Sadhana-Bhakti é geralmente descrito como śravaṇam – ouvir sobre Kṛṣṇa. Ouvir inclui o estudo do śāstra através de um professor ou por si mesmo. Não é apenas ouvir algumas histórias, sem entender e alcançar sua profundidade.
No caminho de Bhakti, o ouvir tem uma importância profunda. Diz-se que se pode atingir a perfeição de Bhakti meramente ouvindo. Em Padyāvalī, Śrī Rūpa Gosvāmī cita o Rei Parikṣit como um exemplo disso.
Isso acontece porque o objetivo de estudar o śāstra na pratica de Bhakti é permitir a revelação espontânea e autêntica de Bhagavān através do śabda. Esta é a relação intrínseca (sambandha) que existe entre as palavras que descrevem Bhagavān (vācaka) e o próprio Bhagavān (vācya), que é a Realidade a ser expressa ou auto-revelada. Śrī Jīva apontou isso na seção sobre epistemologia do Tattva Sandarbha, que é o ponto inicial de toda a investigação acerca de Bhagavān realizada em seus Sandarbhas.
O objetivo da epistemologia em Bhakti não é meramente fornecer uma base válida para uma autenticação da verdade dialética, mas revelar um meio de ver a verdade diretamente. Consequentemente, descartar o estudo de śāstra como mera “intelectualidade” ou preocupação excessiva com jñāna (conhecimento) é perder todo o objetivo do empreendimento, e, portanto, privar-se da capacidade da visão direta que se destina a conceder. Este é um mal-entendido comum, mas observável entre muitos praticantes contemporâneos de bhakti.
Deve-se conhecer o significado da palavra jñāna em seu contexto apropriado. Se jñāna não fosse necessário para bhakti, então a instrução de Kṛṣṇa para Uddhava não faria sentido: “Sendo dotado de jñāna e vijñāna, adore-Me com bhakti-bhāva”—jñāna-vijñāna-sampanno bhaja māṁ bhakti-bhāvataḥ (SB 11.19.5).
É um fato, Bhakti pode conceder todos os jñānas, mas para executar bhakti é necessário jñāna. Como uma pessoa ignorante poderia praticar bhakti que revelaria jñāna? Bhakti não é um processo material e nenhuma pessoa material está familiarizada com ele. Um tem que aprender de um professor qualificado.
É por isso que há tanto estresse em ter um professor. De fato, de acordo com Śrī Rūpa Gosvāmī, o primeiro passo em bhakti é aceitar um professor, e então o segundo passo é formalizar a relação e estudar com ele – guru-pādāśrayastasmāt kṛṣṇa-dīkṣādi-śikṣaṇam (BRS 1.2.74). Estudar com um guru significa adquirir conhecimento. Kṛṣṇa também aconselha Arjuna a estudar com um professor. Ele deu instruções semelhantes a Uddhava algumas vezes.
Finalmente, pode-se perguntar: “se o śāstra dá instruções claras para estudar, então por que há tantos devotos que têm essa idéia errada de que estudar é parte de jñāna e não de bhakti?”
Creio que a resposta para esta pergunta está enraizada na natureza fundamental da mente. A mente procura o caminho de menor resistência. Estudar é um trabalho árduo, e isso não é muito atraente para a mente. Todos nós temos experiências da nossa infância quando nossos pais nos pediam para irmos à escola, mas, preferíamos brincar a estudar.
Usar o intelecto costuma parecer mais difícil do que fazer um ato sem pensar. E é por isso que as pessoas preferem se envolver em atos devocionais que não envolvam muito intelecto. A eles, estudar śāstra parece tedioso, e se lhes disser que bhakti não depende de jñāna, eles imediatamente se alegram e declaram que “não precisamos estudar“.
Esses devotos naturalmente se sentem desconfortáveis com aqueles que estudam. Portanto, surge a necessidade de racionalizar seu ato de não estudar e de criticar o ato de estudar como sendo um mero exercício de jñāna.
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