Adhikara – a Elegibilidade para a Compreensão das Escrituras

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Por Satyanarayana Dasa

Todos neste mundo têm qualificações para desempenhar deveres ou actividades específicas, e, ao fazê-las, obtêm-se satisfação, felicidade e sucesso. Porem, se uma pessoa tenta desempenhar deveres ou actividades para as quais não está qualificada, então, com toda a probabilidade, isso resultará em insatisfação, frustração e em miséria para si mesma (e possivelmente para outros). Portanto, um dos princípios básicos ensinados no Bhagavad Gītā é o de trabalhar de acordo com suas qualificações. Kṛṣṇa Ele mesmo diz para-dharmo bhayāvahaḥ — fazer o dever para o qual não se está qualificado é perigoso. Esta é uma história para ilustrar este ponto:

Uma vez, havia um lavador que possuía um burro e um cão. O lavador cuidava bem do burro, pois ele carregava muitas roupas na ida e volta do rio onde o lavador as lavava.
Porem, o lavador não considerava o cão como sendo muito útil, então não o alimentava adequadamente. Deste modo, o cão encontrava-se sempre faminto e emaciado.

Uma noite, enquanto o lavador dormia profundamente, um ladrão adentrou em sua casa. Ambos, o cão e o burro notaram o ladrão. O cão não latiu, embora esperasse-se isso dele. Vendo isso, o burro fiel advertiu-o por não cumprir o seu dever. O cão respondeu desdenhosamente que o dono não importava-se com ele, e portanto também não importava-se com o dono. Ao ouvir isso, o burro ficou furioso e decidiu acordar o dono zurrando intensamente. O lavador acordou confuso: por que o burro zurrava? Ele pensou que talvez tivesse tratado o burro excessivamente bem e que portanto havia-o mimado a ponto de que agora ele havia tornado-se indisciplinado.

Para lhe dar uma lição, o lavador levantou-se da cama e bateu no burro com um pedaço de madeira enquanto o insultava verbalmente. Após faze-lo, o lavador então voltou para a cama, e, enquanto isso, o ladrão escapuliu.

O cão, que enquanto isso observava o ocorrido, perguntou ao burro: “Como você sente-se, meu querido amigo? Afinal, recebeste uma recompensa generosa por seu serviço.” Então, obviamente, o burro percebeu o seu erro.

Todos são Únicos

Como pessoas diferentes possuem qualificações diferentes, as escrituras védicas instruem de acordo com as qualificações individuais de cada um. Nem tudo é aplicável a todos. Esta característica única das escrituras védicas é frequentemente negligenciada. Existem regras separadas para estudantes, pessoas casadas, renunciantes, moças solteiras, viúvas, pais, professores, governantes e assim por diante. Em outras palavras, os deveres diferem de acordo com a natureza e o status de uma pessoa.

Da mesma forma, como pessoas diferentes possuem qualificações diferentes, há uma variedade de escrituras, deidades, escolas de filosofia e práticas espirituais na Índia. Todos devem começar de onde estão. 

Para proteger contra os perigos decorrentes de uma pessoa não qualificada receber conhecimento, na cultura védica, o conhecimento jamais era grafado. Ele era transferido apenas pela tradição oral. É por isso que os Vedas são chamados śruti — aquilo que deve ser ouvido de um professor. A Pratica de escrever livros em folhas entrou em voga muito posteriormente. O autor de um livro, que geralmente era um professor, não compartilharia o seu conteúdo com uma pessoa não qualificada. Os alunos eram obrigados a fazer um voto onde juravam não transferir o conhecimento para candidatos desqualificados.

Aqui estão três outros exemplos de situações onde nem todos não podem ser tratados igualmente.  

A maioria das universidades exigem que os candidatos a alunos façam um exame de admissão. A universidade, então, admite apenas os candidatos qualificados. O aluno seguirá um currículo que servirá para apresentar-lhe informações em uma ordem que seja coerente com o seu progresso no curso. O aluno não fará uma aula de física que exija matemática que ainda não fora-lhe ensinada, nem fará um curso avançado de física antes de fazer um curso introdutório de física. Deste modo, em cada curso, o professor leccionará de acordo com o nível de seu público.

Um livro de medicina pode descrever vários tipos de medicações para um tratamento, mas nem todas as medicações serão adequadas a todas as pessoas. Primeiramente, o médico deverá diagnosticar a doença para somente então identificar uma medicação adequada para tratá-la. 

Para o tratamento de uma única doença, podem haver muitas medicações disponíveis, mas nem todas as medicações serão adequadas para todos os pacientes. Por exemplo, na Ayurveda, os medicamentos não são prescritos somente de acordo com a doença, mas também após a devida consideração sobre o tipo de corpo, personalidade, idade, imunidade, sexo, etc, do paciente.

Para dar outro exemplo, no Bhāgavata Purāṇa, há muitas instruções destinadas aos renunciantes. Porem, se um chefe de família tentar aplicá-las à sua própria vida, ele tornar-se-á miserável. Da mesma forma, existem instruções separadas para os diferentes caminhos como o do yoga, karma, jñāna e bhakti . Deste modo, deve-se fazer uma discriminação judiciosa entre elas.

Estabelecendo a Elegibilidade

Na literatura sânscrita, é comum que o autor declare quatro pontos nos versos de abertura de sua obra, conforme declara-se no verso seguinte:

adhikārī ca sambandho viṣayaś ca prayojanam
avaśyam Eva vaktavyam śāstradau tu catuṣṭayam
 

( Śloka-varttika 1.1.17)

“A pessoa elegível para a leitura do livro, o assunto do livro, a relação do livro com o assunto e o propósito do livro devem ser explicados logo no início.”

A intenção é informar ao possível leitor se o livro é de seu interesse (anubandha-catuṣṭaya ). Nos livros de hoje, alguns desses elementos são explicadas em uma introdução, prefácio ou prólogo. Destes quatro, o adhikārī , ou a elegibilidade da pessoa, é o mais importante. Uma das qualificações básicas para ler as escrituras é que a pessoa deve estar interessada em atingir o propósito ou objectivo específico que nelas está descrito. Se a pessoa não tiver essa qualificação, então ela não está qualificada para ler o livro e considerar-se-á quase impossível para ela compreender o verdadeiro propósito do livro.

Actualmente, qualquer pessoa pode adquirir qualquer livro em versão impressa ou pela mídia electrônica. Pode-se também estudar as escrituras em universidades onde a elegibilidade exigida para tal tarefa não é testada. A peculiaridade das escrituras é que, se a pessoa que as estuda não possui a elegibilidade necessária, ela não compreenderá sua essência. Possuir a elegibilidade necessária é como ter uma ferramenta para desvendar o mistério que ali está escondido.

Equívocos podem surgir

Infelizmente, muitas pessoas que não são qualificadas para ler as escrituras não somente estudam-nas, mas como também criticam-nas. Esses críticos, por sua vez, são vistos por outros como autoridades. Essa prática criou muitas crenças negativas sobre as escrituras, filosofias e práticas espirituais indianas. Muitas vezes ouvimos comentários como: “O hinduísmo é uma grande miscelânea. É uma grande confusão. É a religião de um milhão de deuses.” Mas isso não pode estar mais longe da realidade. Outra ponto a se considerar é que em um livro de filosofia, nem tudo o que está escrito pode ser a o princípio conclusivo, ou siddhānta , destinado a ser estabelecido pelo autor. Há também elementos como o pūrva-pakṣa, ou o princípio a ser refutado, que muitas vezes pode não ser identificado tão explicitamente. Pessoas desqualificadas ou de discriminação imatura, que venham a estudar estes livros sem a devida orientação, podem confundir o pūrva-pakṣa pelo siddhanta.  Muitos equívocos surgiram por causa da má interpretação das escrituras.

Para evitar tais equívocos, muitas vezes é dado um aviso contra a leitura das escrituras por pessoas não qualificadas. Por exemplo, o Senhor Kṛṣṇa proíbe enfaticamente que não devotos leiam Bhagavad Gita :

idaṁ te nātapaskāya nābhaktāya kadācana
na cāśuśrūṣave vācyaṁ na ca māṁ yo ’bhyasūyati

(Gītā 18.67)

“Isto não deve ser dito a uma pessoa sem controlo de seus sentidos, a uma pessoa sem verdadeira devoção, a uma pessoa que não quer ouvir, ou a alguém que me inveja, pensando que sou material.”

A advertência é tanto para o aluno quanto para o professor. Se o professor tentar ensinar um aluno não qualificado, será um esforço inútil.

Como é afirmado:

nādravye nihitā kācit kriyā phalavatī bhavet |
na vyāpāra-śatenāpi śukavat pāṭhyate bakaḥ 

(Hitopadeśa 1.42)

“Assim como que por centenas de tentativas não pode-se ensinar uma garça a falar como um papagaio, uma pessoa desqualificada jamais poderá ser treinada.”

As qualificações podem mudar

Meu humilde conselho e pedido a qualquer pessoa interessada em estudar qualquer escritura indiana é primeiro analisar se possui as qualificações necessárias. Não deve-se sentir desencorajado ou desanimado se no entanto ainda não for elegível. A importância da elegibilidade deve ser compreendida. Os seres humanos têm uma capacidade especial de mudar a si mesmos. A elegibilidade de uma pessoa não é algo rijo e pode ser adquirida ou melhorada.

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  • Satyanarayana Dasa

    Satyanarayana Dasa
  • Gota diário de Bhakti

    The very people who want liberation, which means becoming free from material existence, become distressed if they lose some wealth. This is really amazing.

    — Babaji Satyanarayana Dasa
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